Apesar da concorrência com grandes redes de supermercado, mercadinhos e vendas de bairro continuam tendo público cativo, principalmente pela facilidade de acesso e preços atraentes
Por Mariana Mesquita
A sala da casa de Leônidas Souza Carvalho, de 53 anos (que apesar do nome masculino, escolhido pela avó em homenagem a um tio que havia falecido, é mulher e mais conhecida como Dona Leo), há 28 anos é repleta de produtos para servir aos clientes: biscoito, óleo, água sanitária, sabão em pó, sacolé caseiro, fósforo, ovos… A maioria, produtos “de emergência”, que as pessoas procuram com pressa e sem querer enfrentar as filas longas dos diversos supermercados de Casa Forte, onde a vendinha tem público cativo. Já o G Mais, loja de Fernando Campos, de 51 anos, funciona na Avenida Norte, na fronteira entre a Tamarineira e a Mangabeira e tem cara e jeito de supermercado, mas segue com peculiaridades de um negócio de família: fecha na hora do almoço e tem caderneta de fiado. Os dois comerciantes são bons exemplos de estabelecimentos de bairro, aqueles que vão na contramão dos grandes conglomerados e possuem um público que atravessa as gerações.
Como entender a lógica que faz esse tipo de empreendimento prosseguir, se a tendência dentro do capitalismo é a formação de fusões e oligopólios? Para o economista do Instituto Fecomércio, Rafael Ramos, os mercadinhos, vendinhas, padarias e demais lojinhas de bairro têm uma vantagem inimitável, que é a proximidade (tanto física, como no atendimento em si). “Eles fidelizam as pessoas, geram economia de tempo e dinheiro no deslocamento. Têm menos filas também, e a resolução de problemas costuma ser mais rápida, porque geralmente é o próprio dono quem está à frente do negócio, e ele tem mais empenho de manter o cliente do que um eventual gestor”, aponta.
Entre as óbvias desvantagens, estão a menor variedade de produtos e marcas (bastante visível no mix enxuto organizado nas prateleiras de Leo) e a dificuldade de oferecer um preço competitivo, especialmente em relação às grandes redes, que compram material nos grandes atacadistas (problema que Fernando tenta vencer se aliando a outros companheiros na mesma situação. O G Mais integra uma associação com outros 16 mercadinhos e, dessa forma, vem conseguindo ampliar seu poder de barganha. Ainda assim, e apesar da crise econômica que vem afetando o comércio como um todo, eles seguem firmes e fortes. Leo está diversificando a área de atuação e abriu parceria com uma vizinha, que aos fins de semana produz sarapatel, feijoada, sururu e outros quitutes, vendidos no local ou em marmitas por preços que vão de R$ 5 a R$ 50. “Ela entra com a comida e eu com a bebida, e o movimento aumentou bastante. Um dia quem sabe transformo o ponto num restaurante?”, sonha ela. Já Fernando planeja reformar o espaço e abrir vagas para estacionamento (a falta delas é uma das maiores queixas dos clientes). “Sou administrador de empresas e faço tudo de forma calculada e organizada, com muita cautela”, detalha.
Quase três décadas de história
Leo abriu sua vendinha quando ainda era recém-casada. O negócio nasceu junto com as filhas Cecília, de 28 anos, e Cibele, de 26, hoje formadas em Direito e Arquitetura. As meninas passaram muitas tardes no balcão, auxiliando a mãe. “É uma empresa familiar, além de nós e do meu marido, meu irmão e meu cunhado também já trabalharam aqui”, relembra. “Não vendemos muito, mas dá para sobreviver e levar a vida”. Além de Cibele e Cecília, Leo vê as crianças das redondezas crescendo e se tornarem, elas mesmas, clientes. Leo atende a todos com a mesma alegria. “A vizinhança é ótima, são meus amigos do dia a dia”, sorri.
Se as filhas de Leo não querem seguir o caminho dos pais, o filho de Fernando, João Victor, de 17 anos, já começou a cursar administração de empresas. “É preciso se capacitar sempre, e, infelizmente, nosso ramo nem sempre preza pela qualificação. Quem vai montar um posto de gasolina não improvisa, não monta uma barraca. Mas qualquer um inventa de pôr uma vendinha, começar um mercadinho. E depois que cresce um pouco, vai quebrar com facilidade, pois tem problemas na hora de pagar um contador ou lidar com as obrigações trabalhistas dos funcionários”, analisa Fernando.
Ele comprou a loja, então conhecida como “barraca de seu Lindolfo”, em 1994. “Ela vendia feijão a granel e óleo a retalho”, relembra. A loja já foi a granja Virgem da Conceição, virou o Mercadinho Virgem da Conceição e agora se chama G Mais. “Faço cursos pelo Sebrae há mais de 18 anos e me preocupo muito com a questão do layout, da organização, do atendimento ao cliente. Hoje meu negócio é intermediário. Não sou pequeno nem grande”, resume. Fernando trata com carinho do maior patrimônio que conquistou ao longo do tempo: os clientes.
Ele explica que tem uma caderneta de fiado, ainda que anacrônica, pode ser um bom negócio. “Todo comércio faz fiado, a diferença é que o cartão tem controle legal. Eu faço, porque o fiado fideliza a pessoa dá preferência a comprar comigo. Antigamente, usava muito cheque. Depois fiz uma filtragem e criei a caderneta para alguns clientes antigos, de confiança. Fiz as contas e descobri que, quando pago as maquinetas e as taxas dos cartões, o valor sai muito mais caro do que o eventual calote que recebo. Agora, não deixo solto. Meu fiado tem um crédito limitado, é que nem cartão”, relata.
Empresas são fator de desenvolvimento local
Tanto Leo como Fernando funcionam na Zona Norte do Recife, região onde os empreendimentos do gênero ainda são uma tradição bastante frequente. Outros dois bons exemplos de mercearias que se diversificaram são a venda de Seu Vital, no Poço da Panela, e a de seu Arthur, na rua da Harmonia, em Casa Amarela. Ambos são bastante procurados por quem está em busca de cerveja e tira-gosto. E os dois são conhecidos pela rigidez com horário e bom comportamento de seus frequentadores.
A tendência, porém, não se restringe a essa área do Recife: em todos os bairros, especialmente os mais populares, é possível encontrar pequenos empreendedores do gênero. Comprar a eles, segundo Rafael Ramos, é importante. “Consumir nesses estabelecimentos significa investir na área onde você mora. Os pequenos agem localmente, então o emprego, a renda e o desenvolvimento vão se concentrar ali mesmo no bairro, dinamizando o crescimento da região e às vezes criando polos de produção e de consumo”, explica o economista. Isso não acontece, por exemplo, quando se compra numa rede de grande porte: “nesse caso, pode haver fuga de renda, já que os produtos e até os funcionários vêm de outros bairros e outras cidades. Aí, o desenvolvimento se pulveriza para outras regiões”, destaca.
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