Por César Souza*
O rápido alastramento da COVID-19 no Brasil trouxe desafios aos trabalhadores, empresários e ao Poder Público, que necessitaram, em um curto espaço de tempo, reinventar seus usuais processos operacionais. Com o Poder Legislativo, em suas três instâncias decisórias, não poderia ser diferente, uma vez que dependeu da aprovação de nossos representantes normas legais de vital importância para atravessar de forma menos impactante o atual período que vivenciamos.
Graças às inovações alcançadas no campo da informática, que envolvem o uso da infraestrutura de banda larga e a difusão de aplicações de comunicação e de autenticação, o Senado Federal desenvolveu e, posteriormente, a Câmara dos Deputados aderiu, a uma tecnologia própria para as sessões parlamentares remotas. Com esse grande passo, o Congresso Nacional passou a fazer parte do seleto grupo de outras 45 nações do mundo com modelo em funcionamento semelhante.
O Sistema de Deliberação Remota (SDR) permitiu que fossem apresentadas, discutidas e aprovadas matérias econômicas e sociais voltadas ao enfrentamento dos efeitos financeiros nefastos causados pela pandemia. Dentre elas, podem ser citadas a promulgação da Emenda Constitucional que criou o intitulado “orçamento de guerra” (EC 106/2020) e as Leis de nº 13.982/2020, que criou o auxílio emergencial; de nº 13.999/2020, que instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe); de nº 14.020/2020, que estabeleceu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; e a de nº 14.034/2020, que adotou medidas de amparo ao setor aéreo do país.
No âmbito local, as Câmaras Municipais e as Assembleias Legislativas seguiram caminho semelhante, empregando, com todas as dificuldades e opções disponíveis em suas respectivas realidades, versões análogas do parlamento totalmente digital.
Em Recife, desde a promulgação da Resolução nº 2.728/2020, de 23 de março, os vereadores apresentaram cerca de 150 propostas e deram a chancela para a sanção de quase 60 leis na cidade. Como consequência direta das limitações impostas pelas mudanças dos procedimentos e do emprego intensivo de programas de deliberação virtuais, a Câmara do Recife passa por um dos ciclos mais transparentes de sua história. Apesar de disponibilizar para a sociedade civil interessada ferramenta de acompanhamento da tramitação legislativa há alguns anos, foi só recentemente que o cidadão passou a ter acesso às reuniões das comissões permanentes e aos debates em torno de um determinado tema nas plataformas de compartilhamento de vídeos.
Já a Assembleia Legislativa de Pernambuco, além de determinar a criação do SDR por meio da Resolução nº 1.667/2020, de 24 de março, institucionalizou, em seu regimento interno, a previsibilidade de reuniões virtuais e as equiparou com as demais já estabelecidas no plenário físico. Desde então, os deputados apresentaram mais de 500 proposições e deram aval em mais de 220 novas normas legais estaduais. No caso da ALEPE, a modernização das discussões para o ambiente na rede mundial de computadores só veio a ratificar e solidificar o caminho de aproximação com a população, desenhado inicialmente pelo lançamento da TV ALEPE em formato aberto desde o ano passado.
Como é possível perceber, o Poder Legislativo, apesar do corrente cenário desafiador e desfavorável para as relações humanas presenciais, conseguiu se aproveitar de instrumentos e recursos à disposição e se adaptar muito bem às urgências e demandas trazidas pelos diversos grupos de pressão existentes. Sua habilidade camaleônica vem possibilitando uma maior abertura de seus mecanismos herméticos de trabalho para a sociedade civil organizada, que vem reivindicando progressivamente uma voz mais ativa na construção de políticas exequíveis em um contexto voltado pela responsabilização na coisa pública.
O SDR e seus similares foram elaborados para evitar uma paralisia institucional e desempenha, transitoriamente e com primazia, sua função na manutenção das atividades do Legislativo como colegiado legítimo deliberativo e representante dos indivíduos. É mister, portanto, que seu uso seja constantemente aprimorado durante a etapa de reclusão momentânea da pandemia e encontrado, após vencida a enfermidade, um novo propósito e metodologia que permita o sistema incluir novos atores, conceitos e linhas de pensamento aos debates. Esse movimento enriqueceria as discussões travadas, mesmo que feitas à distância, e traria como novidade o foco na agilidade e na economia processual das Casas Legislativas.
César Souza é assessor legislativo da Fecomércio-PE*
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