Chefes e restaurateurs se revezam na divisão de tarefas em busca da melhor performance do restaurante
Por Eduardo Sena
Por trás das cortinas, sempre um bastidor. E não é só no teatro, a máxima também se aplica aos restaurantes. Afinal, até um prato chegar à mesa, sua biografia não é das mais curtas. E não é de se estranhar as razões pelas quais os aplausos quase sempre são direcionados ao chef responsável e não ao todo. É esse profissional quem pensa o produto final: o que será comprado, o melhor fornecedor, a maximização dos lucros para viabilizar financeiramente o empreendimento, fichas técnicas, controle de desperdício, elaboração do cardápio e, por fim, a coreografia do delicado balé que se inicia na cozinha desde que o cliente faz o seu pedido.
É natural que, com tantas responsabilidades, algo deixe a desejar no bastidor administrativo: contas a pagar e a receber, recursos humanos, segurança, marketing, gerenciamento de custos… A lista é longa e tem levado à construção de modelos de negócios dos quais emergem as figuras do gestor administrativo de um lado e do chef de cozinha do outro. O objetivo é alcançar a melhor performance do empreendimento não só no “palco”, mas na “cochia” e no “camarim”. É essa a linha recentemente adotada pelo chef Hugo Prouvot que, a despeito dos seus mais de 15 anos de experiência no metiê, enxergou nessa divisão de tarefas uma forma de crescimento sustentável das casas que comanda.
Para Hugo, com essa divisão, sua atuação na cozinha é otimizada. “Imagina você ter que ir à feira, a uma vila de pescadores em busca de produto fresco, tendo que pensar nos boletos que estão vencendo, no funcionário que faltou, na água que não chegou… Essa divisão é fundamental para que os dois processos sejam qualificados separadamente. Dessa forma, acredito que a empresa se fortalece”, pontua o cozinheiro, que mantém sociedade com o consultor de empresas Maurício Xavier, nos restaurantes Prouvot Pizza D.O.C, no Pina, e Prouvot Bistrô, no Parnamirim. Até o final do ano, a dupla deve abrir mais duas operações no segmento gastronômico no Recife e outra em João Pessoa.
“Esses novos projetos só se tornaram viáveis por conta dessa forma de administrar. Os dois setores alinhados, cada um com suas metas e métodos de trabalhos, permitem um crescimento sustentável”, acredita Prouvot. O discurso é corroborado pelo seu braço administrativo. Para Maurício, o sucesso de um restaurante se dá pela competência de profissionais em várias áreas, mas sempre com foco no cliente, entendendo suas necessidades e desejos: como um ambiente acolhedor, excelente atendimento, comida inesquecível e preço justo. “Para ser alcançado, esse conjunto de variáveis requer a integração do talento de um bom chef de cozinha e um administrador competente nos processos de compras dos melhores insumos, com o menor preço possível; recebimento, armazenamento e controle desses produtos; gestão e o desenvolvimento das pessoas nas suas áreas de atuação; manutenção diária do ambiente físico e a segurança do cliente; acompanhamento do serviço e dos resultados financeiros (receitas x despesas), além do processo de tomada de decisão integrado”, lista Maurício.
Sócios nos restaurantes Ponte Nova, Villa e na rede de creperia Bercy Village, o chef Joca Pontes e o administrador Luciano Longmann endossam o coro. “[A administração] é a outra metade de uma boa gestão de um restaurante. De nada adianta um chef extraordinário se a parte administrativa não consegue dar o suporte para o desenvolvimento de suas receitas. Um menu pode ser tão excelente quanto não executável caso os insumos não cheguem. Então a gestão tem de complementar a criação, tem de dar o suporte”, acredita Pontes.
Apesar de convergirem em um propósito comum, essas relações também são capazes de gerar alguns embates. “A parte administrativa sempre tentará ganhar margem, tratando tudo de forma mais profissional e empresarial possível. Porém um restaurante tem suas particularidades que devem ser respeitadas, senão perde sua ‘alma’”, expõe Longmann. Ele cita como exemplo a simples compra de um queijo muçarela. “Se o chef não estipular algumas marcas aceitáveis, o setor de compras irá procurar o mais barato possível, podendo haver perda de qualidade na ponta. Na contramão, ele pode inserir numa receita um item muito caro ou que não venda localmente, inviabilizando ou até impossibilitando a realização da venda com lucro de determinado prato”, finaliza.
“Muitas vezes um prato excelente pode inviabilizar a rentabilidade do negócio, pois temos que adequar os altos preços dos ingredientes, além dos custos trabalhistas, fiscais, fixos e variáveis (aluguel, IPTU, energia elétrica, gás, água, telefone) entre outros”, acrescenta Maurício Xavier. Nome à frente da gestão do restaurante Mingus, do food truck Bou Comida de Verdade e do Em Cima Gin-Bar, o restaurateur Nicola Sultanum traz um outro contorno à discussão. Ele lembra que a divisão de tarefas é fundamental, mas cabe ao chef estar envolvido em todo o processo, desde a escolha dos insumos para a compra, até o momento em que o prato chega à mesa do cliente. “Isso cria um respei- to muito grande. Aprende- -se a valorizar o trabalho essencial de toda a retaguarda de um restaurante. Não acredito em quem se forma e já quer se chamar de chef. Todo chef é, antes de tudo, um grande cozinheiro e excelente gestor de pessoas”, defende.
É no que também acredita André Saburó, que administra quatro endereços gastronômicos (Quina do Futuro, Sumô, Tokyo ́s e Sushi Yoshi), cozinhando nos três primeiros deles – e com muita serenidade. Nome expoente no trabalho com atum, o chef conta que a dificuldade é apenas estruturar os setores administrativos e de cozinha com uma equipe alinhada com o ideal da casa. Uma vez alinhado, o trabalho em conjunto flui sem grandes problemas.
“Venho formando equipes gerenciais sólidas com mais de 14 anos de casa, capazes de assimilar as tarefas em equipe, permitindo que eu me debruce estrategicamente em algumas delas, quando necessário, sem o que o outro lado perca”. Para ele, é fundamental que o cozinheiro esteja por dentro dos números na cozinha, o que promove uma sensação de controle com criação sustentável. Saburó conta que uma coisa é cozinhar sem fazer conta. É fácil, mas um grande erro. “Você não consegue ter êxito no negócio se fizer um prato de alto custo sem o suporte de um cardápio equilibrado, no qual 80% dos pratos consigam te dar um retorno e ciente, dedicando apenas 20% para a sua satisfação como cozinheiro em trabalhar com insumos nobres”, anota. “A cozinha, o salão e o escritório são três mundos distintos que o chef precisa fazer conversar entre si, em paz e equilíbrio”, finaliza.
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