Ferramenta eficaz para apresentar a realidade financeira para as crianças, a mesada pode ajudar na formação de adultos financeiramente conscientes
Por Jessica Mezzomo
A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), aponta que o percentual de famílias no vermelho chegou a 61,8% em outubro de 2017, superando o mesmo período do ano passado que indicou 59,8% dos entrevistados. Os motivos de haver tantas pessoas com tantas dívidas são os mais variados, porém normalmente podem resumir-se em uma só: falta de planejamento orçamentário.
A dificuldade em guardar dinheiro e se planejar em meio às despesas muitas vezes é passada de geração para geração como uma cultura familiar, já que os filhos se espelham no exemplo dos pais. De acordo com o educador financeiro do Centro de Desenvolvimento Pessoal e Empresarial (Cedepe), Julio Becher, uma solução para ajudar na quebra desse desequilíbrio é dar uma noção econômica às pessoas desde pequenas. Uma ferramenta eficaz para apresentar essa realidade financeira para as crianças é a mesada. “Quanto mais cedo a criança tem contato com dinheiro, melhor é a sua educação financeira. É importante que desde pequena a pessoa entenda que o uso do dinheiro tem limites e é necessário poupar para comprar algo que se quer”.
A orientação dos pais é fundamental na construção de uma consciência financeira. Para adotar a mesada, é preciso entender algumas peculiaridades e cuidados. Primeiramente, é necessário explicar que todos os gastos com a saúde, educação, alimentação e vestimenta das crianças são deveres da família. A mesada deve ser usada para gastos supérfluos dos pequenos, como a vontade de comprar um brinquedo ou algo que eles desejam muito.
Outra preocupação é de tentar introduzir as restrições orçamentárias à vida da criança de forma lúdica e progressiva. Os pais precisam dar uma quantia que caiba no orçamento deles e que possa ser aumentada gradualmente com o passar do tempo. Já as crianças e adolescentes precisam entender que o objetivo é saber qual o valor do dinheiro e que ele tem fim.
Momento certo
Uma dúvida recorrente é a partir de que idade se deve dar mesada para uma criança. Segundo a psicopedagoga do Centro Universitário dos Guararapes (UniFG), Mireilly Moura, entre sete e oito anos, o ser humano começa a desenvolver um conceito mais aprofundado de quantidade e essa é a fase ideal para se introduzir gradativamente o dinheiro. Antes disso, a mente da criança funciona por meio de coisas concretas. “Precisamos pensar que cada criança se desenvolve de uma forma diferente e é essencial que os pais avaliem, antes de começar esse contato com o dinheiro, se ela tem o conceito de quantidade formado. Caso ela não tenha essa distinção, é possível fazer o contato com a ideia de poupar por meio de um chocolate, por exemplo. Só mostrando que ele pode comer um e guardar o outro para mais tarde”, esclarece.
O diálogo entre os pais e filhos é essencial para que o objetivo da mesada seja entendido pela criança. Antes de tomar a decisão de dar essa quantia, é preciso sentar e estabelecer regras, explicando o porquê de ele receber aquele dinheiro e como ele deve ser usado. “Os pais precisam explicar que a mesada pode ser usada para comprar algo que a criança deseja, como um brinquedo, mas que ele não pode desrespeitar as regras da casa. Por exemplo, se a família só come doces nos fins de semana, essas economias não podem ser usadas para descumprir isso”, comenta.
Caso nunca tenha dado mesada quando pequeno, nunca é tarde para começar a introduzir esse tipo de ferramenta na educação familiar. Quando essa criança se torna um adolescente, é muito importante o uso da mesada, pois irá prepará-lo ainda melhor para os desafios financeiros da vida adulta. Mas, quanto mais velha, maior deve ser a responsabilidade do beneficiado.
A administradora Fabiana Leal aderiu ao uso de mesada há cerca de dois anos e hoje colhe os frutos. Ela é mãe de Arthur, de 9, e de Estevão, de 11, e conta que começou a dar uma quantia mensalmente para que os filhos tivessem mais responsabilidade e entendessem o valor do dinheiro. “Eles melhoraram muito. Quando saímos já orientamos para levarem o dinheiro deles, para caso de que eles queiram comprar algo”.
Ela conta que para ajudar nessa construção, começou a dar presentes para os meninos apenas em épocas específicas como Natal, Dia das Crianças e aniversário. “Lógico que às vezes os ajudamos, mas isso é eventual. Por exemplo, eles começaram a guardar dinheiro para comprar um celular e, como vimos que estavam se esforçando bastante para poupar, acordamos com eles que íamos pagar uma parte”.
De acordo com a mãe, ela ainda estimula os meninos a utilizarem esse dinheiro a ajudar em campanhas solidárias na igreja, para que eles, além de uma consciência financeira, criem também uma responsabilidade social. Apesar de menor, o mais organizado financeiramente é Arthur. O menino conta que gosta de poupar seu dinheiro. “Eu não gasto muito, prefiro guardar e usar quando viajo com meus pais ou pra comprar um brinquedo quando vamos ao shopping. Eu acho melhor”, pontua.
Educação ou Escravidão
Segundo a psicopedagoga da UniFG, os pais precisam ficar atentos para que as influências da mesada não se tornem negativas. “A família não pode exigir algo que não faz. Se os pais não conseguem juntar dinheiro ou pagar as contas em dia por falta de organização, também não podem forçar o filho a isso”, explica. Além disso, algumas atitudes podem traumatizar a criança ou até fazer com que elas se tornem prisioneiras do dinheiro, como por exemplo ameaçar a mesada ou castigar tirando essa quantia por um período. “É importante deixar claro que a criança vai receber aquele dinheiro como forma de educação financeira e não punitiva ou como recompensa por bom comportamento”, ressalta Mireilly.
Os pais também precisam prestar atenção se o filho não é rígido demais em relação ao uso do dinheiro, afinal essa deve ser uma forma lúdica de aprendizado. Fabiana conta que está sempre de olho. “Nós incentivamos os meninos para que guardem dinheiro para comprar o que querem, mas às vezes percebo que eles, principalmente Arthur, estão presos demais. Aí eu digo que eles têm que gastar o dinheiro mesmo, economizar é importante, mas o objetivo da mesada não é só guardar e sim usar”, comenta.
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